quarta-feira, 20 de março de 2024

Do regresso

 


porque eu já não sei escrever.
-as minhas unhas, os meus dedos, a minha boca já não sabem escrever.

 

já não sei escrever.
-os meus olhos, as minhas pupilas, o meu nariz já não sabem escrever, nem sabem dizer.

 

Já não sei mais, para ser sincera as palavras morreram no sofá da sala sem se explicarem, sem se despedirem da minha cabeça
as minhas unhas
 os meus dedos
 a minha boca
os meus olhos
 um nariz desenhado no espelho
(precisávamos todos tanto delas)

 

Já não sei mais, não sei mesmo, como se algo tivesse secado cá dentro,
talvez um poço.
Talvez eu fosse ou tivesse esse poço.


Já não, já não.
- falta falar do som teclado quando os dedos me batem desesperados como se quisessem viver ali

 

Já não.
Já não sei mesmo, voltar a escrever.


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Adeus, Ophelia

 

Querida Ophelia, 


a tua morte foi a coisa mais difícil que vivi até hoje. Ter ficado contigo até ao último minuto dá-me um certo alento estúpido de que acompanhei aquela que foi a minha melhor amiga até ao fim:passaram-se quase dez anos. Dez.

"Cães não são gente", dizem. Eu não consigo deixar de te agradecer por tudo, por tanto. Por tanta presença em momentos tão gigantes que quase me engoliram, em tantas noites boas e más, mudanças de casa, mudanças de amores, nascimentos e mortes. E tu lá, sempre.

Um dia agradeço ao P. por teres sido o melhor presente, ainda que amigos não se comercializem. Quando ele te comprou não pode saber a imensidão que me deu.

Cães são gente também, sim. E têm alma, com toda a certeza.

Um dia escrevo por ti ou não, não escrevo nada porque às vezes não há mais nada para dizer.

Obrigada. Obrigada. Obrigada.




Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/