quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Carta 3

 


Querida V.,


A nossa barriga parece um balão.

 Uso o pronome pessoal porque honestamente, no meu corpo, talvez sobretudo quando me lavo, não sei onde começas tu ou onde acabo eu. Acredito que essa é parte da beleza da maternidade: estarmos juntas como se eu fosse um T1 em Campo de Ourique que tu precisasses habitar até estar na hora: e tu decides-te, bates  à porta porque está na hora de ires à tua vidinha.

Estou no dilema doce das compras de última hora a tentar passar entre os pingos de um vírus que nos assaltou há dois anos para cá. A nossa vida mudou com este vírus, sabes  querida bebé, mudámos. Já não podemos abraçar com o mesmo vigor quando vemos alguém que amamos e impõe-se um distanciamento meio assustador entre os humanos. Ficámos mais secos, mais frágeis e mais carentes. Espero que o teu ano de nascimento seja o renovar da esperança.

Foi também este vírus que, de alguma forma, nos levou o Pe. João Gonçalves. Prometo que um dia, com tempo, te falarei dele e do amor que lhe tinha e tenho.

Os amigos de verdade são pedras preciosas, querida V. E infelizmente não existem muitos.
Contamos os nossos melhores amigos por três dedos da mão, nunca mais do que isso. Confia pouco mas quando confiares num amigo com provas dadas, confia tudo, e entrega-te a essa amizade.

A poucos dias do teu nascimento temos parte da família isolada mas tem havido sol de inverno, praia, passeios com a Pepa e com a Ophelia quando ela vem.

Está quase. Mesmo quase.







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