a tua morte foi a coisa mais difícil que vivi até hoje. Ter ficado contigo até ao último minuto dá-me um certo alento estúpido de que acompanhei aquela que foi a minha melhor amiga até ao fim:passaram-se quase dez anos. Dez.
"Cães não são gente", dizem. Eu não consigo deixar de te agradecer por tudo, por tanto. Por tanta presença em momentos tão gigantes que quase me engoliram, em tantas noites boas e más, mudanças de casa, mudanças de amores, nascimentos e mortes. E tu lá, sempre.
Um dia agradeço ao P. por teres sido o melhor presente, ainda que amigos não se comercializem. Quando ele te comprou não pode saber a imensidão que me deu.
Cães são gente também, sim. E têm alma, com toda a certeza.
Um dia escrevo por ti ou não, não escrevo nada porque às vezes não há mais nada para dizer.
Ao contrário do que aconteceu com a tua irmã, escrevo-te depois de te ter tido.
O nosso corpo muda, a nossa cabeça muda, mas tu, como segundo filho, amplias e acrescentas. Se de alguma forma a V. veio ensinar-me a ser mãe, a ideia que tenho muito clara de ti na minha cabeça é que tu vieste para viver a tua vida entusiasticamente, e pelo meio, dar-me a enorme oportunidade de amar melhor, uma espécie de amor pacificado, bom e longuíssimo: os filhos trazem-nos uma eternidade de pés descalços que andam em frente.
Nasceste no dia em que o Papa aterrou em Portugal para um mega evento chamado Jornadas Mundiais da Juventude; as "navegadoras" perderam contra os EUA mas quase lhes deram um baile. E tu vieste.
O teu parto foi hilariante, para não dizer extraordinário. Ali estávamos com uma playlist de musicas a tocar que eu queria ouvir enquanto te paria e tu vieste no meio de uma música inusitada que sempre me faz sorrir quando oiço. Chama-se "Eu sou do Roque" e é de um músico muito peculiar chamado Marco Rodrigues . Tu decidiste nascer na parte que diz:
"Eu sou do roque Não te deixes enganar pelo meu fato de gala
Cá dentro há uma alma inquieta Que está sempre à espreita Pelo "mosh" nesta sala
Eu sou do roque E vou mostrar a todos o roque que o fado tem! Sou todo xutos Sou rastilho para os putos Que anseiam pela festa Sou guitarras! Sou Cobain
A médica anestesista tinha ar de quem queria dançar quando a música tocou e o eco deste trecho soou por todo o bloco de partos. Foi bonito, sabes? e especial, e diferente. Até eu me ri no meio daquela overdose de meds que nos dão para parir, uma espécie de rush de drogas que nos percorrem o corpo.
Querido João, a mãe desejará sempre que saibas ser inquieto. Não aceites sem questionar, faz moshes nos concertos, aproveita a tua vida até não conseguires mais. Viaja, enche os olhos de histórias escritas em livros e sê livre até que, de alguma forma, o amor te toque e tu encontres o teu lugar no mundo. Não te esqueças, por favor, que o amor vale sempre a pena.
Usa fato de gala e tenis. Aprender a apreciar as pessoas nas suas diferenças e não desistas nunca dos teus sonhos.
Tem sonhos grandes, meu querido bebé, tem sonhos que te levem ao céu e não desistas deles até achares que já não são para ti.
Quando descobri que ia ser mãe outra vez fiquei com medo de não estar sempre lá para ti como tenho estado, querida V.
As mães passam a vida a sentir medo e culpa, mesmo que estejam a dar tudo de si- vinte e quatro horas por dia. Nisso, como em tantas outra coisas, eu sou só mais uma mãe a sentir o mesmo que as outras mulheres.
A ideia de ter outro filho conforta-me no sentido de que não te deixarei sozinha, não serás sozinha. Nem este teu irmão/ou tua irmã será. Se vocês conseguirem o equilíbrio perfeito da irmandade, de decidirem amarem-se sempre mais do que qualquer outra coisa que possam sentir um pelo outro, vão ter sempre uma perna extra, ou um braço extra, ou um coração extra que vos conforte na caminhada e isso é a matemática perfeita da vida.
Entende isto como uma dica da tua mãe que te ama mais todos os dias.
Ter um filho é uma jornada extraordinária e única, mas também dura, com constantes provas de entrega, esforço e superação. Uma das etapas mais delicadas nesta viagem é a do pós-parto, com tudo o que envolve de desequilíbrios hormonais, transformações físicas e emoções ao rubro. Na maior parte dos casos, ultrapassamos esse período sem memória de como era a nossa vida antes de trazermos ao mundo o ser minúsculo e mágico que ocupou a nossa barriga durante nove meses para nos ocupar o coração para sempre.
No entanto, o pós-parto pode tornar-se um buraco negro para o qual somos puxadas logo depois do nascimento do bebé ou uma espécie de casulo onde nos refugiamos até ao dia em que a luz finalmente irrompe e a normalidade regressa. O pós-parto não é um conto de fadas. Se for bem preparado e gerido, também não tem de ser um pesadelo. Não existe fórmula mágica que anule as dores, inseguranças e incertezas próprias dessa fase, mas há experiências, partilhas e conselhos que podem torná-la mais leve e com menos sofrimento.
É o que pretende o presente testemunho de uma mãe, com a ajuda de uma médica. Porque a maternidade não é mesmo para meninos, este livro é como uma mão estendida a todas as mulheres que acabaram de ser mães ou estão prestes a sê-lo.