Não levamos os olhos no corpo, só dor.
Não levamos as pernas que fazem o corpo andar, nem os dedos que servem para escrever. Não levamos os dentes na boca, não levamos lábios nem maçãs do rosto: não levamos a pele sequer connosco
(não, vamos deixar a pele aqui)
- quando eu era pequena a minha mãe abria a palma da mão sobre o meu rosto para o tactear. A sua mão, longa de aberta, a fazer o trabalho dos seus olhos, como se de uma mulher cega se tratasse - e cega - precisasse conhecer um filho que era seu
Como nos quadros que mentem beleza
( a mãe nunca foi cega, sempre trazia os seus olhos grandes consigo para me ver)
( a mãe nunca foi cega, sempre trazia os seus olhos grandes consigo para me ver)
Como nos quadros que mentem perfeição: a estrada acaba
(os olhos da minha mãe são duas coisas no seu corpo)
(os olhos da minha mãe são duas coisas no seu corpo)
E eu, eu que não sei dizer flor, não sei dizer canto: eu que nunca soube dizer adeus
- a mão da minha mãe que me tacteava a cara tinha um cheiro. A mãe, cega, parecia saber onde ficavam os meus olhos, o meu nariz e a minha boca. Parecia conhecer todo o posicionamento estratégico do meu rosto
Um dia desistimos de caminhar, desistimos dos sapatos, desistimos
dos pés e deixamos tudo à porta.
- a mãe sabia o caminho das minhas sobrancelhas até ao fim, demorava-se nas sobrancelhas para a seguir, os olhos; para a seguir as pestanas
- a mãe sabia o caminho das minhas sobrancelhas até ao fim, demorava-se nas sobrancelhas para a seguir, os olhos; para a seguir as pestanas
A boca ganhar-lhe-á o sabor.
de ti espero sempre o melhor
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