segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Porque ontem foi dia 5






Vou deixar que me ponhas os ossos partidos no sítio; vou deixar que apanhes o que sobra do meu corpo do chão.



Vou deixar que cuides de mim, que me cosas as feridas, que unas a minha pele com agrafos: vou deixar que me agrafes  os cortes profundos com os maiores ou me dês pontos interiores; e não vou chorar.



Vou deixar que me deites na tua cama e me limpes as marcas sem estar atenta ao perigo

( na tua casa o perigo é um homem alto que fica à porta: tu nunca deixas o perigo tocar-me)



Vou virar-me de barriga para baixo para veres o estrago nas minhas costelas enquanto sei que abanas a cabeça e lamentas a minha dor. 




Vou deixar que com uma tesoura me cortes a roupa para me tratar nua,  e vou ficar de olhos fechados em repouso,  porque em ti eu sempre pude sossegar. 




Vou deixar que me ponhas as ligaduras nos pulsos deslocados, nas costas massacradas, a pomada nas nódoas negras das pernas e nas ancas  em círculos de massagem com as pontas dos teus dedos - sempre - tão amorosos e salvificos. 



Vou deixar que arrumes o quarto de hóspedes da tua casa para mim, que me abras as malas e  me ponhas a roupa no armário para não se amachucar. 



Vou aceitar que cozinhes  e me leves comida à boca. 

Vou aceitar não fazer esforços até que os meus dedos escrevam

(eu sei que gostas de ouvir a velocidade dos meus dedos nas teclas e a luz do meu quarto acesa as 3 da manhã)

Sei que sorris quando eu escrevo. 

Vou aceitar ficar.

Porque tu és guarda.

Porque és abrigo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/