segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Quando os dedos me caem




quando me disseram que ias morrer, o tempo caiu-me aos pés. mas não foi só ele a ceder vida.
com ele a boca, os olhos, o queixo, as sobrancelhas a descolarem autónomas de mim.

trocaria o meu lugar pelo teu.


sabes, faria isso não por não amar a minha própria vida, mas exatamente  por amá-la tanto e considerar que seria um desperdício ser-te negado o que eu tenho e tive: um mundo extraordinário e a possibilidade de viver nele todos os dias.

o meu amor por ti nunca deixaria que isso acontecesse.

o avião que me levou até ti, nessa cidade que sempre será nossa, chorava das asas mas ninguém viu.

quando te vi nesse isolamento obrigatório, vi caírem-me com os dedos, os dentes; dentes a saltarem-me da boca em suicídio e os dedos sozinhos, um a um, subitamente congelados e frios, a estalar  medo de um dia deixar de poder tocar nos teus cabelos loiros, pequenos raios de sol que nos fazem sorrir de ti.


tocar o teu corpo magro e senti-lo renascer agora a cada dia, deixa-me a impressão de que tudo voltará à normalidade e que é mesmo Natal. o verdadeiro. o do  verdadeiro Amor e do verdadeiro renascimento.

o meu amor por ti  será sempre eterno como esse sol que trazes contigo: esse sol que também me faz querer escrever quando o vejo.

se me deixares, a minha escrita é sepultada.

as minhas mãos sem dedos. o meu pensamento e a minha dor desterrar-me-iam para um mundo onde há fim.

Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/