Maputo, 12 de novembro de 1950
Querida Avó,
Estou a conseguir o que sempre me propus e a cada dia que passa chego mais perto do que sonhei para mim e para a minha vida. Há tanto tempo que não sonho contigo nem te sinto por perto.
A mãe já não será operada e o padre João está a recuperar.
Sinto, de alguma forma, que quase perdi mas não o encontrei mais. Não sei explicar esta sensação melhor do que isto: de perder alguém, de se encontrar mas não ser mais o que foi.
Não evito as lágrimas quando o oiço dizer o meu nome com uma língua enrolada e com os olhos cheios de água num desespero de lobo. O choro do nosso padre ao telefone é assim e eu oiço sentada do outro lado a chorar como se o quisesse agarrar sem conseguir.
Eu sei que ele vive naquele corpo, eu sei que ele percebe o que aconteceu.
Gostava de pedir-te que falasses com Deus sobre ele e lhe dissesses o quão importante ele é para o mundo. Tão mais do que eu. Tão mais do que tanta gente.
Ajuda-me nisto, avó.
Não ele. Não ele.