segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Querida V.

 

Não sei nada de ti e são 4h00 da manhã.  Não sei como as mães sobrevivem sem saberem dos seus filhos e não sei em que escola isso se aprende.


Desde que me separei do teu pai aprendi muito sobre violência vicária - isto de pais torturarem as mães através dos filhos - mas ainda não aprendi a sobreviver à vossa partida, tão pequenos, sem mim, para um progenitor tão desestabilizado.


Ontem foste levada para dentro de casa da tua avó. Não soube mais nada de ti e vim com o Jay D. que puxei daquela casa e se estava a enfiar pela rede para chegar até mim.  Vi que falam mal de mim na casa da tua avó e sei que ouves e que não és poupada a nada nos teus quase 4 anos.


Vir daquela casa sem ti foi das coisas mais difíceis que fiz, ao mesmo tempo que achei que era o melhor naquele momento. Voltei à policia. Voltarei sempre.

Um dia que sejas adulta, talvez percebas o que foi isto de ter dois trabalhos e uma dedicação completa a vocês. Talvez me perca nisto tudo, talvez não: mas a mãe chegou até aqui.
E a vossa mãe nunca foi senhora de desistir (muito menos de vocês).


Le coeur de maman c´est toi toujours. Toujours.



("As mães" de Pablo Picasso)

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Todos me prometem que sim

 

Meus queridos, 

é como se nos abrissem o coração. Como se uma equipa de médicos se dedicasse a colocar veias nos sítios certos comigo acordada, a ver, sem anestesia, nessa sala de operações clean e desinfetada, com médicos que não falam comigo enquanto me salvam: há qualquer coisa disto tudo que estou a viver com vocês assim, como se andasse de peito aberto na rua, com um buraco por não vos ter aqui. Por vos ver ir.

Espero que um dia este buraco gigante se feche.

Todos me prometem que sim.




(Mangualde quando Mangualde era meu, 1984)

sexta-feira, 4 de julho de 2025

is anybody out there?


 Passaram-se mil anos e uma eternidade. As árvores agora  nascem na água, as crianças da terra e eu não sei de onde vim. 

Há sempre esta escrita que me salva na noite: eu a ver-me evaporar ao lume do trabalho, limpar com CIF os meus próprios vestígios de dor.

Não sei se os meus pés aguentam o mundo debaixo deles mais sem explodir. Não sei se ainda sei escrever como antes quando o prato era poesia, poesia, 

poesia.

Não sei, juro que não sei. Mas escrever costumava salvar-me. 
E às vezes eu precisa de ser salva.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Do regresso

 


porque eu já não sei escrever.
-as minhas unhas, os meus dedos, a minha boca já não sabem escrever.

 

já não sei escrever.
-os meus olhos, as minhas pupilas, o meu nariz já não sabem escrever, nem sabem dizer.

 

Já não sei mais, para ser sincera as palavras morreram no sofá da sala sem se explicarem, sem se despedirem da minha cabeça
as minhas unhas
 os meus dedos
 a minha boca
os meus olhos
 um nariz desenhado no espelho
(precisávamos todos tanto delas)

 

Já não sei mais, não sei mesmo, como se algo tivesse secado cá dentro,
talvez um poço.
Talvez eu fosse ou tivesse esse poço.


Já não, já não.
- falta falar do som teclado quando os dedos me batem desesperados como se quisessem viver ali

 

Já não.
Já não sei mesmo, voltar a escrever.


Querida V.

  Não sei nada de ti e são 4h00 da manhã.  Não sei como as mães sobrevivem sem saberem dos seus filhos e não sei em que escola isso se apren...