quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Problema 30


                                                           Mueck



Não tens vindo aos meus sonhos. Tens estado desaparecida ou ocupada. Ias mais a Campo de Ourique do que vens a Sintra, diga-se. Pensei que aparecesses hoje depois do que aconteceu: costumas vir depois do lodo.
 Imagino que aches que não preciso ver-te mais ou sentir-te por perto, que ganhei a resistência que desejavas que eu tivesse ganho e me tornei o que era expectável: mas depois de amanhã é Natal e o Natal ainda és tu. Tu e eu e o cheiro da comida da mãe. Os doces. Nós todos à mesa.
Ninguém diria que passaram 28 anos depois de tu teres. Teres.


Lembro-me da escada de casa e lembro-me de me puxares, de não me deixares descer os degraus sozinha com medo que eu caísse lá para baixo
(eu e as minhas botas ortopédicas que toda a gente achava bonitas menos eu)

- tu com medo que eu caísse: eu sem medo de me aventurar nos degraus altos, sem medo da queda




Este ano não foi fácil, avó. Saltei algumas vezes. Muitas delas de olhos fechados e todas sem medo: algumas vezes caí num chão firme e fofo sem nenhum arranhão, outras esfolei-me toda de cima a baixo
- um dia explicas-me de onde é que me vem este lado demasiado destemido



Hoje não há por aqui ninguém que me puxe o casaco como tu para eu não me atrever nos degraus mais altos: os que se tornaram os meus favoritos.
Mas não faz mal.



Não faz mal que ninguém me puxe: não faz mesmo mal.
Eu vou sempre ser das que saltam. E das que não vão a medo. 

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Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/