Querido padre João,
Bem sei que ai no Céu não há tempo, mas aqui passou quase um mês.
De facto, nem tive tempo para chorar convenientemente a sua partida, se lhe dissesse que trabalhei quase dois meses ininterruptamente não sei se acreditaria... mas ai no Céu é possível ver para trás, e eu sei que sempre soube que eu era uma máquina de trabalho.
Evito que falem de si perto de mim - digo claramente que não quero falar e imponho-me. Aguento-me até onde é humanamente possível.
Não liguei cobardemente à sua irmã este Natal, não estou preparada. O nosso reencontro no seu velório não foi aquilo que treinei: desmanchei-me a chorar no colo dela e devia ser o contrário, não era? eu aguentar para ela chorar no meu. Não fiquei para o beija-mão do seu funeral porque nunca fui disso e eu só tinha ido a Aveiro para me despedir de si e termos uma conversa séria: ainda não percebo porquê, não podia ter esperado por mim só um bocadinho mais, sabe? eu ia vê-lo quando estivesse tudo gravado e tudo pronto.
Mandei-lhe flores e sei que não fez ideia que eram minhas, mas não faz mal. Faria tudo de novo para tentar que se lembrasse de mim. Ou não, porque eu lembrava-me do início da nossa amizade e para mim, fosse o seu corpo aquilo que fosse, ia ser sempre um dos meus melhores amigos e o resto é a nossa história.
Pensei que haveria tempo para ir vê-lo, sabe? Acho sempre que há tempo e às vezes não há. Eram só mais duas semanas para eu me plantar à porta do lar até que me deixassem entrar, mesmo que não soubesse quem eu era, eu sabia quem o Pe. João era e estava pronta para fazê-lo recordar-se por que razão me tinha escolhido para receber a sua enorme amizade, tão provada em tantos momentos.
O caixão estava fechado por isso só tive oportunidade de me despedir de si com um beijo numa madeira fria e distante, longe dos nossos cumprimentos felizes e das nossas risadas.
Reconheci em si e reconhecerei sempre, um super-herói. Daqueles que põem a capa na cadeira da mesa da cozinha para jantar e depois voltam a colocá-la para sair.
Eu fiquei vazia, mas o mundo ficou indefinidamente mais pobre e pequeno e triste.
p.s: guardei as suas sms e os seus e-mails. Para puder tê-lo mais perto nos dias em que tiver mais saudades. A Porto Editora nomeou hoje a palavra "Saudade" como a palavra do ano.
p.s2- soubesse eu que o último encontro da Pastoral seria a última vez que estaríamos juntos.
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