Eu sentada nua do lado de fora da banheira com a pele à espera da água certa,
a torneira a correr
a torneira a correr
(há sempre a água certa: a água que não queima, a água que não dói)
a água morna, média, boa de quente
- um dia achei que gostavas de mim a sério
a mão dentro a provar a água: a água a dizer-me que ainda não estava pronta para eu entrar
- esperava que gostasses de mim sem que elas me aparecessem no tecto do quarto de propósito, o flash que cega o acordar
[não somos nós dentro das fotografias, pois não?]
quando a madrugada me acorda os sonhos
e os meus olhos abrem juntos como se estivesse viva
[não somos nós dentro das fotografias, pois não?]
quando a madrugada me acorda os sonhos
e os meus olhos abrem juntos como se estivesse viva
ainda morna demais,
fria demais, quente de menos: a água
fria demais, quente de menos: a água
- gostar a sério: não como os cães gostam das cadelas,
não como os bichos: gostar a sério.
não como os bichos: gostar a sério.
a mão a experimentar a água,
depois o braço todo até ao cotovelo e a pele sem reclamar
(só para ver se podia por o corpo todo a seguir)
- a sério,
a sério: não como animais
a sério: não como animais
e depois tu a quereres entrar à força
a água que ainda não estava na temperatura certa
as paredes da casa de banho lívidas e quietas como gente que vê
a água que ainda não estava na temperatura certa
as paredes da casa de banho lívidas e quietas como gente que vê
- o pé dentro,
a primeira perna, eu já na banheira
a primeira perna, eu já na banheira
a bateres,
a porta quase a ceder no tranco
a porta quase a ceder no tranco
a água finalmente pronta: o banho
- não, não como os ratos,
não como os coelhos, apenas como gente.
não como os coelhos, apenas como gente.
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