domingo, 20 de julho de 2014
Dos dias e das noites
Em dias como este tenho vontade de arrancar a pele do meu corpo com a ferocidade das unhas
até alguém me encontrar e me fazer parar.
Em dias como este eu pentearia o meu cabelo com a insistência dominada da fúria até todo ele estar cansado da passagem da escova pela cabeça;
o cabelo a gritar a queda e uma cara de gente no espelho a olhar para nós
( eu, o cabelo e a escova)
- não sou eu dentro do espelho, juro que não sou
uma cara no espelho que nos assiste.
Em dias como este há um buraco no chão em cada passo dado: as pernas tropeçam e fazem cair
(são as pernas que fazem cair)
as nódoas negras e as feridas pintam a pele e cada queda tem mais brutalidade que a queda anterior
- e tudo isto a saber-me bem
(eu a saber que saber bem não é bom)
Em dias como este há um buraco no peito que se abriu com o formato de um tiro de bala, que nos tira a fome, a vontade de andar: é um buraco acre de vazio que nos encaminha para a cama e nos tapa
-não acordar mais: coser os olhos para nunca mais acordar
Em dias como este há o meu corpo a bater à porta do quarto e a pedir para entrar, e depois dele os demónios sequiosos e depois dos demónios sequiosos, a secura tépida da paz:
daquela paz que nos costuma amparar.
credits: Mueck
quarta-feira, 16 de julho de 2014
Da dor
Matamos as saudades.
Não as eliminamos, não as apagamos, não as tapamos, nem as sabemos reduzir até à sua inexistência
- são elas que nos reduzem a nós
resta-nos matá-las. Matar. Pegar em armas e matar.
Não sabemos aligeirá-las, não existe pomada nem comprimido que nos liberte: o ideal é matar a saudade toda logo, não permitir que ela respire (tapar-lhe a boca e apertar-lhe o nariz),
nem permitir que ela nos toque: afogá-la ou dar-lhe com uma pá na cabeça para ela cair desfeita no chão e desaparecer-nos dos olhos imediatamente
(a saudade começa-nos nos olhos)
A pá, o crânio desfeito no chão e a ausência rápida de saudade
-sim, a saudade tem um crânio; tem um crânio porque às vezes a saudade é pessoa; e quando é pessoa dói mais e precisamos que ela morra mais rápido ainda
Matá-la. Matar. Matá-la. Até à sua inexistência. Até a saudade não existir mais, nem doer mais, porque a morte da saudade não lhe deixa um corpo e não precisa de enterro.
Mas matá-la, sim, a morte é a única solução.
Quando ela se aproximar, o melhor mesmo é matar.
image: Eric Lacombe
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Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença
ler aqui: https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/
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INÊS LEITÃO nasceu a 1 de Julho de 1981 em Lisboa. É licenciada em Estudos Anglo- Americanos pela Faculdade de Letras da Univer...
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porque eu já não sei escrever. -as minhas unhas, os meus dedos, a minha boca já não sabem escrever. já não sei escrever. -os meus olhos,...