domingo, 20 de julho de 2014

Dos dias e das noites



Em dias como este tenho vontade de arrancar a pele do meu corpo com a ferocidade das unhas
até alguém me encontrar e me fazer parar.
Em dias como este eu pentearia o meu cabelo com a insistência dominada da fúria até todo ele estar cansado da passagem da escova pela cabeça;
 o cabelo a gritar a queda e uma cara de gente no espelho a olhar para nós
( eu, o cabelo e a escova)
- não sou eu dentro do espelho, juro que não sou

uma cara no espelho que nos assiste.




Em dias como este há um buraco no chão em cada passo dado: as pernas tropeçam e fazem cair
(são as pernas que fazem cair)
 as nódoas negras e as feridas pintam a pele e cada queda tem mais brutalidade que a queda anterior
- e tudo isto a saber-me bem
(eu a saber que saber bem não é bom)



Em dias como este há um buraco no peito que se abriu com o formato de um tiro de bala, que nos tira a fome, a vontade de andar: é um buraco acre de vazio que nos encaminha para a cama e nos tapa
-não acordar mais: coser os olhos para nunca mais acordar

Em dias como este há o meu corpo a bater à porta do quarto e a pedir para entrar, e depois dele os demónios sequiosos e depois dos demónios sequiosos, a secura tépida da paz:
daquela paz que nos costuma amparar.




credits: Mueck

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Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/