Não sei quando é que nos vamos voltar a ver.
Talvez no teu funeral ou talvez no meu. Ou no de alguém que amamos.
Tens cancro. Estás nos paliativos.
Sabes, acho que, de alguma forma, todos nós estamos.
Não sei bem quem vai primeiro: se tu com essa morte anunciada, se eu a atravessar a rua distraída com o telemóvel na mão. Ninguém sabe. Não há datas marcadas para isto de nos pirarmos daqui para fora.
Obrigada por aquilo que me tens ensinado neste teu anunciado fim consciente: sem dramas, sem lágrimas.
Ontem vi fotos tuas a fazer desporto e a explicar-nos a todos o privilégio de viver.
Tens toda a razão, isto de viver, é um privilégio do caraças.
Namoramos muito, casamos a achar que temos um príncipe mas afinal não era nada disso que precisávamos: nem nós dele, nem ele de nós.
Apanhamos um amor grande e ele mata-nos o peito de desgosto: sem saber como vimos à superfície e percebemos que o nosso coração ainda bate e que respiramos.
Aprendemos que por muito que a pancada seja enorme, não morremos dela.
Se formos inteligentes afogamo-lo, fazemos-lhe um enterro digno - de margaridas nas mãos e vestidas de preto - atiramos-lhe terra para não ser ele a morrer-nos mais.
Não, népias, nunca, nunca mais sentir aquilo.
Viajamos, fazemos amigos, fazemos conhecidos, ajudamos a criar pessoas, criamos ideias, criamos empresas, viajamos mais, encontramos o amor de verdade e depois disso agarramos-lhe a t-shirt à noite como um hábito: para ter a certeza da sua presença na sombra e na luz.
Obrigada por me fazeres ver isso.
Que esta roda gigante em que vivo é um privilégio do caraças. Que é bom demais mesmo quando temos contas e impostos para pagar. Que faz sentido dar parte do que recebemos para ver meninas estudar no outro lado do mundo.
Obrigada pelos bailes de noção e de erro.
Errei tanto, S. Teria feito tudo ao contrário mas acho que cheguei cá em cima onde me esperam.
Se a minha hora vier antes da tua, por favor sabe que eu fui e sou completa e feliz.
Cheguei a esta montanha gigante onde sou feliz a saber a sorte que tenho, a saber aprender a perdoar os outros e a mim. O exercício é diário porque eu sou da ética e não da perfeição.
Não faço ideia se dará para subir um bocadinho mais alto do que isto, mas não faz mal. Que haja ou não tempo, tem sido excepcional.
Ganhei um verdadeiro braço debaixo da asa, parafraseando o Godinho.
O homem que encontrei é de verdade. É genuíno. É o coração bom, gigante e tem os olhos mais bonitos que algum dia vi. Com ele não há mentira e tudo é limpo.
É com ele que pretendo que o meu corpo se torne a casa de alguém.
E também há a Ophelia. Sempre haverá.
Sabes, para mim, mesmo que morras, nunca morreste.
p.s: estou a tentar marcar ir ver-te para dançarmos.
sempre tua,
i.
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