sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

As pernas afastadas para ninguém entrar









O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia. O rato nunca roeu a parede.
(ou Carta de um homem mal amado)















Sou um homem, parede. Sou um homem nu, deitado sozinho numa cama, a encostar-te o meu pénis frio, acordado de uma noite que acontece todos os dias dentro do meu corpo. O meu pénis erecto sou eu a querer toque, parede limpa e branca, um simples toque que me faça armar o desejo e conseguir prazer. Quero desmaiar contigo aqui nu, porque o amor tudo pode e eu quero ser teu esta noite, como seria de uma mulher de carne e osso
(as mulheres de carne e osso não existem como tu, parede branca, por escrever)

queria entrar em ti e ser-te, enquanto pela casa milhares de páginas soltas e textos roubados se deitam pelo  chão: milhares e milhares de folhas fotocopiadas pelo chão a dizerem silêncio e medo, como se o vidro das janelas fosse demasiado espesso para haver vida para além do meu pénis erecto, para lá dos papéis no chão.

Ao nosso lado, milhares e milhares de papéis mortos, feridos e amputados pela casa, pelo quarto,
  na pequena despensa à direita da cozinha
(houve uma Grande Guerra no meu sexo que fez milhares de desaparecidos)

milhares de papéis: papéis rasgados e violados pela leitura dos olhos atentos e ferozes que me cresceram na cara, que sobreviveram ao tactear de unhas grossas imperturbáveis
(eu sou os meus olhos, o meu nariz, a minha boca e as minhas orelhas: o meu pénis erecto cheio de vontade de te ter, parede por abrir)

todos os papéis do chão a falar ao mesmo tempo;
 vozes baixas, masculinas e femininas a mostrarem-se nuas como eu aqui deitado frente a ti, parede calada, parede azul 
São 01:47 e eu ainda não 

(o meu pénis e a minha mão)

milhares e milhares de papéis a cheirar a árvores mortas e a arranjos de impressora: papéis a chorarem por mostrarem os seios e o sexo branco enquanto as palavras vão sendo ditas

o corpo surge nu na folha enquanto 

o meu corpo solitário e desfeito ao teu lado, parede, depois de me limpar. Às vezes olho-te nos olhos à espera de ver tudo, de sentir todas as coisas do mundo, mas nada surge para além da minha nudez de vício, numa parede branca e cega.


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