domingo, 19 de agosto de 2012

Dos ossos gastos


                                                                                     Casteleiro, 18 de Agosto de 1893




Para a S. com todo o meu amor



O corpo é uma lonjura.
Podias bater-me vezes sem conta porque o meu corpo já não sente: é longe e já não dói.

A bofetada não faz mais o rosto inchar o inconveniente vermelho, nem os pontapés nas costas são mais sofrimento.

As marcas das pancadas deixaram de causar dor ou aflição. Tornaram-se apenas nódoas de luto, como se os vasos sanguíneos debaixo da parte da pele  atacada quisessem erguer um luto corpóreo,
um luto imediato que se substitui à necessidade do uso de uma peça de roupa preta
(a minha pele em luto assume uma negritude cerimonial à laia de lenço na cabeça, de saia ou de camisa de botões de punho)


e não haverá na minha cabeça tormento maior do que a ausência dessa dor fisíca que se embala, essa dor que nos ultrapassa; a majestade da dor, a sua enormidade dentro de nós já que sem ela nunca chegará o desgaste nem o fim.

E este meu amor por ti, este meu imenso amor por ti, será sempiterno.



3 comentários:

  1. Pungente! As suas palavras rasgaram algo que não é possível descrever.

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  2. ...<3, com perdão das mariquices icónicas desta era*

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  3. era eterno, até não valer nada e ser mais um amor banal.

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Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/