sábado, 12 de março de 2016

Desabitação







Quase morremos tantas vezes,
quase chocámos contra um carro na passadeira,
quase atropelados - na estrada com pessoas à volta a ver  como  ficávamos bonitos de cara no asfalto sem sentidos
(quase não resistimos aos ferimentos na cabeça, nem às sequelas)



Quase desistimos,
quase rasgámos a folha,
quase o nosso corpo sem dar à costa depois de afogado.



Quase nos encontraram na morgue para nos vestirem,
quase nos descobriram enforcados num candeeiro de rua enquanto passavam,
 quase nos foi dada a extrema-unção.

(quase o infinito e sempre a quase-morte)



Quase nos desligaram a máquina no hospital,
quase dados como mortos.

Quase fomos nós quem lhes abriu a porta para o assalto em casa, 
e quase foi nossa a mão na arma pronta a disparar sobre a cara
- não viste a nossa cara de terror com os olhos fechados e a pistola a dizer-se na testa?


E um dia houve em que quase ficámos sem corpo.

E fomos nós;
nós, nós sozinhos de olhos fechados,
que um dia desejámos ouvir o som do disparo.

1 comentário:

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