terça-feira, 31 de julho de 2018

Tecido cardiaco




Avó,

Obrigada por teres vindo.

Já sentia a tua presença quando arrumei as malas no comboio, cheirou-me a Mangualde .
Sentei-me e o comboio iniciou a marcha, a hora do retorno.

Ninguém ocupou o lugar do corredor mas quando olhei de repente ali estavas tu: a mulher de lenço e vestido preto. Sentaste e olhaste para mim sem dizer nada.

(porque é que nós nunca falamos quando tu vens?)


Eu voltei a olhar para a janela até desistir da liberdade da paisagem e me render a ti e ao amor imenso que sempre me trazes; deitei-me de braços e meio corpo no teu colo.

Vieste.

Eu precisava de casa e tu vieste.

Vieste até Lisboa a encarolar-me o cabelo com as pontas dos teus dedos e eu adormeci assim.

Acordei com uma menina indiana e a mãe dela a dizerem-me que tinha de sair, era a última paragem.

Tu já tinhas ido. E a mensagem já tinha sido dada.




O nosso amor não é daqui.
O nosso tecido cardíaco também não.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Dia 6






Podia escrever que te amo na parede do meu quarto
com o dedo indicador como mensageiro

 (as unhas a caírem mortas no chão por saberem o que ai vinha: chamaram-lhe Amor)
até fazer sangue;
e desse sangue mártir saírem todas as letras em linha,
l
e
t
r
a
s
em linha
a  dizerem juntas o que eu devia saber dizer sozinha pela boca
- a minha boca  era uma flor 




Se esse indicador direito fosse morto pela prova do meu amor por ti
outro indicador logo  nasceria,
como garante do teu conhecimento sobre a minha afeição.



Esperei 1000 anos por ti
sentada num lugar onde não havia nem chuva,
nem sol,
nem mar,
nem vento ou tempestade: não havia escuridão mas também não havia luz;

eu sempre soube que chegarias até ao dia em que te vi.



Vieste.

O meu corpo do avesso a ver-te ao longe:
a chegada a dar-se.

- o teu cheiro amado e imaginado.



Esperei por ti no meu corpo 1000 anos,
voltaria a esperar por ti por mais 1000.




Image: Eric Lacombe



terça-feira, 24 de julho de 2018

Ainda que eu fale a língua dos Homens



Para o meu irmão amado, Luís Arriaga





Impreparados para o abismo roemos os olhos
porque as mãos são agora troncos de árvore no jardim
(o jardim que fica ali depois do vidro que é janela)


- olha lá para fora sem medo: a árvore é só a minha mão a arder



Mordemos as pernas porque os braços
Camille usa no seu mármore: a princesa de Rodin
tão substituída por outras,
tão libertada pelo seu mestre.



E eu podia falar de ti mas tu continuas sem vir porque não és daqui e
eu também já não te espero.



Mas se fosses, se o meu corpo esperasse ainda aqui sentado,
lerias poesia para mim mesmo que surda eu fosse
- a Poesia eu sempre saberei ouvir - ainda que sem ouvidos e olhos para a chorar


Os meus olhos e os meus ouvidos nunca foram nada.
A Poesia sempre me salvou.







segunda-feira, 23 de julho de 2018

Da viagem





  "(...) ninguém esqueça os tempos, mas ninguém se engane:
no final só importam o amor e a morte (...)"


L. G. Montero



(autor anónimo)




sábado, 14 de julho de 2018

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Se pudesses ler-me



Pergunto a mim mesma se quando o livro estiver pronto fará jus à tua altura. 

Algo sempre me diz que não, que a tua luz não precisa de um reconhecimento de massas deste género, que do lado onde estás já o tens, que isto é mais um Caminho meu que teu..

Descobri que amaste uma mulher sendo padre.

Não me embaracei com a informação mas fez-me posar a chávena de café e engolir em seco. Admirei-te mais, sabes, eras só um homem bom que servia Deus.

 Ela era uma mulher com a mesma causa que tu. E tão próxima de ti, non?

Sabes, no dia em que casei leram aquela passagem de Corintios 13. Aquela, a mais especial de todas,  a que explica o que o Amor é. Recordei-a por ti. Porque deves ter vivido aquilo tudo.

O teu amor era certamente benigno e paciente, e tudo deve ter suportado: talvez até o desespero do teu corpo.

És o homem branco da minha vida.
Sê-lo-ás sempre.





Coríntios 13:4-8 

"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará (...)

sábado, 7 de julho de 2018

O primeiro dia 5



Sabes, foi o primeiro dia 5 que não apareceste na minha cabeça. Passou um ano e dois meses que te piraste daqui para fora sem nota nem aviso.

Pela primeira vez enfrento um misto de revolta comigo própria por ter esquecido este 5 de julho, e de alguma forma, por outro lado, uma certa serenidade por saber que não lembrar a tua morta não é sinonimo de esquecer a tua vida.

Fui à tua casa, já deves saber porque isso ai no Céu vê-se tudo, não é? Eu imagino que sim.
Não lhes consegui falar de ti - elas a olharem para mim nas suas vidas e eu ali:  desaprendi o teu nome sem antes chorar e eu não gosto que me vejam chorar.

Mas sabes, dizem-me que tenho de te deixar ir.

Só eu é que não sei como isso se faz por isso fico quieta, sem falar: no fundo eu também não tenho nada para dizer porque isto da tua morte foi um poço onde cai e ainda não sei subir.

Por ti, sei que já me tinhas arrancado daqui.

Para celebrar a tal serenidade deixo-te esta foto. Tirei hoje deitada num relvado num país que conheço pouco e onde vim procurar respostas.

Sei que quando olhares para ela, saberás tudo o que há para saber.
Contigo era sempre assim


Sempre tua eterna companheira de jornada,

I.





quarta-feira, 4 de julho de 2018

Da ausência






Tenho tantas saudades de ti e do teu corpo que uma parede inteira não bastava para te escrever.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

O teu corpo era uma frase bonita



Hoje acordei com saudades tuas: nós na tua cama nus no escuro, a olhar para o tecto como se ele dissesse coisas aos nossos olhos vivos.

 Se houvesse uma imagem nossa congelada no tempo era essa: a minha mão perto da tua, a pedir para ser tocada, e os nossos  olhos dentro do breu a olhar o tecto do teu quarto: nós com olhos de quem em vez de cal via amor dentro daquele escuro todo
- eu gostei tanto de ti ali deitado e nu

o teu tecto branco,
o teu tecto branco a dizer-me veste-te e foge e a minha mão a pedir a tua mão nua, segura e sem medo
- tu nunca tiveste medo (ou foste tão bom a escondê-lo)



O teu corpo e os teus olhos eram uma frase bonita e tu sozinho és um poema inteiro: um poema inteiro.



Um dia deste juro que te digo adeus.



Quem sabe amanhã, se o meu corpo deixar e os meus olhos não morrerem.

Adeus.




eric lacombe - image

Entrevista - Alentejo Calling - Rádio Renascença

  ler aqui:  https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/09/24/migrantes-ajudam-a-construir-um-alentejo-absolutamente-novo-e-povoado/394895/