6 de Maio de 1893
Querido P.,
O amor é uma súbita dor no corpo, um incómodo no peito: tantas e tantas vezes o amor é um
acrescento.
Crescem-nos mais rins,
mais fígados,
mais pulmões
mais braços e mais pernas; o coração ganha novos vasos sanguíneos e as artérias latejam para além da compreensão da
ciência. A
ciência acompanha o entendimento do
amor até ao seu limite; mas apenas até aí.
E foi amor que eu vim buscar.
Ao contrário de mim,
tu treinas o teu coração para bater lentamente, regrides para tua própria proteção e entras em ti
até ao lugar onde ninguém te apanha. Lá permaneces: e és sempre bem sucedido.
Talvez nunca te deixes apanhar nesse sítio onde ficas sozinho com um coração que abraça uma batida lenta, quase
morta, ou talvez chegue o dia em que aprendes a ouvi-lo bater, aprendendo a gostar do eco do seu som dentro do teu corpo.
Talvez um dia saibas como fazer para desabotoar a camisa e abrir o peito para eu ver; talvez um dia também possas dar-me linha e agulha para eu coser com
carinho
coser com
carinho e
medo e
tempo
-precisamos tanto de tempo para alinhavar, medir e costurar o ponto certo
e com linha e agulha talvez o teu coração deixe de ser uma
dor.
Se eu cosesse não ficaria igual ao coração que tinhas antes de mim; talvez não ficasse perfeito mas seria novo: menos destruído,
inteiro de pele onde não deve haver sangue.
Mas o teu coração vai baixando o ritmo cardíaco lentamente até a tua vida se tornar vã e pacifica
(tu controlas a tua vida vã e pacifica),
enquanto fechas os olhos e me ensinas o método certo,
como fazes até ao ritmo ser sustentavelmente fraco.
Eu oiço. Oiço-te. A minha orelha cola ao teu peito po
rque é novo e eu não sei chegar aí.
Dentro de mim a vida nunca será pacifica.
E o meu coração nunca será vão.